Dando continuidade à nossa série especial, apresentamos entrevistas exclusivas e conteúdos estratégicos com líderes e especialistas renomados dos principais setores da infraestrutura brasileira. O objetivo é discutir profundamente ações concretas e inovações implementadas para mitigar os impactos das mudanças climáticas, enfatizando resultados já obtidos e desafios futuros.
Nesta quarta edição, abordamos o setor de energia, fundamental para o desenvolvimento econômico sustentável e a segurança energética nacional. A crescente frequência de eventos climáticos extremos como secas severas e enchentes coloca a geração hidrelétrica em uma posição central nas estratégias de resiliência climática no Brasil.
O setor energético brasileiro, predominantemente hidrelétrico, enfrenta grandes desafios diante das mudanças climáticas. Eventos extremos, como as históricas enchentes no Rio Grande do Sul em 2023 e as secas prolongadas em várias regiões do país, têm testado a capacidade operacional e estrutural das usinas. A necessidade de garantir a segurança energética e o abastecimento hídrico requer investimentos estratégicos e uma abordagem integrada, considerando múltiplos usos dos reservatórios.
Conheça a ABRAGEL e seu Papel Estratégico
Fundada em 2000, a Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (ABRAGEL) representa empresas do setor de geração hidrelétrica, especialmente Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e Centrais Geradoras Hidrelétricas (CGHs). A associação atua na defesa dos interesses de seus associados, promovendo políticas públicas que incentivem a expansão sustentável e segura da geração hidrelétrica no Brasil.
Representando a ABRAGEL, conversamos com o Presidente Executivo Charles Lenzi. Engenheiro eletricista com mais de quatro décadas de atuação no setor elétrico, Lenzi está em seu segundo mandato à frente da associação, acumulando mais de 13 anos de liderança. Sua trajetória inclui passagens por grandes empresas do setor elétrico, consolidando uma visão estratégica sobre os desafios climáticos e oportunidades para a geração hidrelétrica.
Entrevista com Charles Lenzi
Nesta entrevista, destacamos como a ABRAGEL e suas associadas têm desenvolvido ações estratégicas para fortalecer a resiliência climática, além dos desafios regulatórios e operacionais enfrentados na implementação desses projetos. Também discutimos o papel das políticas públicas e das grandes construtoras na promoção de um setor energético sustentável e seguro.
1. Como o setor de geração de energia limpa, representado pela ABRAGEL, está trabalhando para fortalecer a resiliência frente a essas alterações climáticas, principalmente em tempos de estiagem?
Charles: “Podemos dividir essa abordagem em dois direcionamentos:
1º – A resiliência da infraestrutura
Um empreendimento hidrelétrico pressupõe a construção de uma barragem, com requisitos de engenharia que a tornam muito resistente. O Brasil detém o estado da arte na construção de barragens, com um histórico de mais de 100 anos. Nossa engenharia é extremamente capaz e exportamos esse know-how. Os empreendimentos são construídos visando o limite máximo em termos de esforço nas estruturas, para garantir a segurança. Um exemplo disso foi a enchente no Rio Grande do Sul, onde as estruturas se comportaram muito bem.
2º – Eventos extremos cada vez mais frequentes
Precisamos preparar não só a infraestrutura, mas também o sistema de produção de energia para conviver com essas oscilações. Uma visão importante é usar a reservação de água como ferramenta estratégica para enfrentar crises climáticas, dentro do conceito de uso múltiplo do reservatório.
A reservação de água é importante por vários aspectos, dentro do conceito de uso múltiplo do reservatório. Não é possível que um país com uma das maiores reservas de água doce do mundo não tenha um sistema de reservação que possibilite o uso múltiplo. Isso significa usar a água para produção de energia, consumo humano e animal, irrigação, controle de vazão, entre outros. Se tivéssemos um sistema de amortecimento de represas no Vale do Taquari, talvez não teríamos tido os problemas que tivemos com a enchente. Precisamos olhar para frente e usar o que a nossa engenharia tem para mitigar esses efeitos.
Existem outras questões importantes, como a escassez de água e a evaporação, que afetam a produção de energia. O uso de usinas reversíveis, que reaproveitam a água que passa pela turbina, é uma forma de otimizar a geração de energia. O principal ponto é usar o conceito de reservatório com uso múltiplo para fazer a gestão e regularização da vazão dos rios. É interessante notar que, no Rio Grande do Sul, estamos vivendo uma seca muito séria após a enchente. Se tivéssemos uma política que incentivasse a reserva de água, poderíamos mitigar esses efeitos. A mudança climática impacta todas as fontes de geração renovável, então é importante que tenhamos políticas e incentivos. A regulação precisa valorizar atributos importantes das fontes para que tenhamos incentivos econômicos para construir empreendimentos com essas características.”
2. Como sua trajetória de liderança no setor elétrico contribui para impulsionar iniciativas de sustentabilidade nas empresas associadas à ABRAGEL?**
Charles: “Tenho 13 anos de ABRAGEL, numa associação que tem 25 anos. Tenho uma preocupação muito grande com o tema da sustentabilidade, do ESG e das questões relacionadas à perspectiva de futuro do segmento, principalmente das centrais de pequeno porte. Acredito muito que esse tipo de fonte é importante para a estabilidade e o equilíbrio da matriz elétrica brasileira. Não vejo o Brasil tendo sucesso na transição energética sem uma política pública voltada para a retomada do desenvolvimento e da implementação de usinas hidrelétricas. Precisamos retomar o desenvolvimento e a implementação de usinas hidrelétricas com reservatório. As pequenas centrais hidrelétricas são mais simples e fáceis dentro do conceito de sustentabilidade. Meu papel é levar essa informação e discussão para o Ministério de Minas e Energia, EPE e Congresso Nacional. Sem a hidrelétrica, não é possível fazer uma transição energética segura.”
3.Você acredita que existem desafios regulatórios e financeiros que precisam ser superados para acelerar projetos e tirar projetos do papel no âmbito da geração de energia hidrelétrica?
Charles: “Sim, existem muitos desafios. A capacidade instalada de pequenas centrais hidrelétricas é muito pequena na nossa matriz elétrica. Existem muitos projetos aprovados na ANEEL, mas o ciclo de desenvolvimento é muito longo, devido ao processo de licenciamento ambiental. Defendo que, para esse tipo de fonte, que usa um bem da União, deve existir uma política pública de contratação. A cadeia produtiva é 100% brasileira e as usinas melhoram a qualidade de vida dos municípios. Precisamos ter a visão de que a hidrelétrica é fundamental e não há transição energética sem ela.”
4.Qual o papel das grandes construtoras na promoção da resiliência climática no setor energético?
Charles: “O desafio das construtoras é muito grande. Um dos aspectos mais importantes é ter uma boa gestão de projetos, investir em novas tecnologias e inovação, e principalmente na gestão da obra. É importante investir na formação de pessoas para que tenham um nível de conhecimento mais qualificado. As empresas que se destacarem serão aquelas que conseguirem fazer a entrega com melhores custos e prazos. Uma obra é um conjunto de fatores, como qualidade, resiliência, confiabilidade e segurança, vinculados a um custo adequado. O grande desafio é mostrar que a engenharia consegue entregar todo esse conjunto por um custo competitivo.”
Conclusão
A entrevista com Charles Lenzi evidencia a importância estratégica da geração hidrelétrica no contexto das mudanças climáticas e a necessidade de políticas públicas adequadas para apoiar seu desenvolvimento. Com forte atuação da ABRAGEL e colaboração das grandes construtoras, o setor energético brasileiro pode avançar em direção a uma matriz mais resiliente e sustentável.
Agradecemos a Charles Lenzi e à ABRAGEL pela contribuição estratégica e visão de futuro compartilhada, fortalecendo o compromisso com um setor energético robusto e sustentável.