Resiliência Climática em Mineração com IBRAM
Mineração

Dando continuidade à nossa série de entrevistas com líderes e instituições que moldam um futuro mais resiliente e sustentável. O objetivo deste projeto é discutir profundamente ações concretas e inovações que vêm sendo implementadas para mitigar os impactos crescentes das mudanças climáticas, enfatizando resultados já obtidos e desafios futuros.

Nesta segunda edição, mergulhamos no universo da mineração, um setor fundamental para a economia global e para a transição energética, mas que enfrenta desafios significativos diante das alterações climáticas. A crescente frequência de eventos climáticos extremos exige que a indústria reforce suas práticas de gestão hídrica, segurança operacional e governança, buscando um caminho de maior sustentabilidade e resiliência.

Na prática, isso se traduz em riscos tangíveis: desde secas prolongadas que ameaçam o suprimento de água essencial para as operações em certas regiões, até chuvas torrenciais que elevam a pressão sobre barragens e podem paralisar a logística por inundações ou deslizamentos. Eventos como ondas de calor ou tempestades mais fortes também testam a resistência da infraestrutura e a segurança dos trabalhadores, tornando a adaptação climática uma necessidade operacional urgente.

Conheça o IBRAM e sua atuação no setor

O IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração é a principal voz do setor mineral no Brasil. Representando uma vasta gama de associados – de mineradoras a empresas da cadeia produtiva –, o IBRAM desempenha um papel crucial na promoção das melhores práticas socioambientais, no fomento ao diálogo com a sociedade e o poder público, e na construção de uma mineração cada vez mais responsável e alinhada aos desafios contemporâneos, incluindo a adaptação climática.


Entrevista com Rinaldo Mancin

Para representar o IBRAM,  temos a honra de conversar com Rinaldo Mancin , atual Diretor de Sustentabilidade. Com mais de 30 anos de experiência na área ambiental, incluindo passagens pelo Ibama e pelo Ministério do Meio Ambiente, Mancin possui uma visão aprofundada sobre os desafios e oportunidades para a sustentabilidade no setor mineral. Sua trajetória é marcada pela liderança em iniciativas cruciais para a segurança, responsabilidade e, atualmente, a resiliência climática na mineração brasileira, com foco especial na preparação do setor para a COP 30 em Belém.

1. Como o setor de mineração, representado pelo IBRAM, está enfrentando os desafios associados aos impactos climáticos, especialmente em relação à gestão hídrica e à segurança operacional?

Rinaldo:O IBRAM e o setor mineral têm uma longa trajetória de engajamento com a gestão hídrica, participando ativamente das discussões no Conselho Nacional de Recursos Hídricos desde sua criação, há quase 30 anos. Sempre buscamos influenciar positivamente as normas e políticas, garantindo um olhar atento do setor. Internamente, o IBRAM organiza seus associados em comitês técnicos, como o de barragens, com o objetivo constante de elevar os padrões de desempenho e segurança. Tive a oportunidade de liderar revisões de normas importantes (ABNT NBR 13028 e 13029), e esse processo de aprimoramento é contínuo.

A água é vital para a mineração, seja no tratamento ou transporte de minérios (como nos minerodutos). A boa notícia é que o setor alcançou altos índices de recirculação de água, com uma média superior a 80%, chegando perto de 90% no caso do minério de ferro. Essa preocupação com a gestão eficiente dos recursos hídricos é antiga, e estamos prestes a lançar a segunda edição de um guia com cases de sucesso nessa área.

Diante das mudanças climáticas, a gestão hídrica e a segurança de estruturas geotécnicas, como barragens, tornam-se ainda mais críticas. O excesso de chuvas, por exemplo, representa um risco significativo. Por isso, o IBRAM implementa, junto aos associados, programas focados em gestão hídrica, segurança de barragens e segurança de processos – uma evolução do conceito de saúde e segurança do trabalho. Lançamos um guia de segurança de processos que se tornou referência. O objetivo é adaptar e preparar o setor para os cenários climáticos futuros, investindo em novas tecnologias de monitoramento, treinamentos e simulações, elevando a consciência coletiva sobre esses desafios.”

2. Como o IBRAM incentiva suas associadas a adotarem práticas de governança que favoreçam maior transparência e sustentabilidade?

Rinaldo:Temos trabalhado fortemente com mecanismos que vão além dos “selos” tradicionais. Após o momento crítico de Brumadinho, o setor se uniu, com apoio da Fundação Dom Cabral, para desenvolver a “Carta Compromisso IBRAM”. Nela, definimos 36 indicadores distribuídos em 12 pilares – abrangendo desde segurança de barragens e gestão hídrica até relacionamento com comunidades e desenvolvimento territorial. Com a ajuda da consultoria Falconi, monitoramos o desempenho dos associados nesses indicadores há cinco anos, incentivando a melhoria contínua.

Outra iniciativa fundamental, ainda em implementação, é a adoção do padrão canadense “Towards Sustainable Mining” (TSM). O TSM estabelece oito protocolos de desempenho em áreas como gestão ambiental, hídrica, relacionamento com comunidades e povos indígenas. Embora a adesão no Brasil seja voluntária (diferente do Canadá, onde é obrigatória para ser membro da associação local), já temos os protocolos traduzidos e empresas aderindo. O grande diferencial do TSM é sua governança externa: as empresas participantes passam por auditorias independentes, e seus resultados (notas A, B ou C) são publicados, criando um ranking de desempenho e transparência. Isso não só melhora as práticas socioambientais, mas também pode facilitar o acesso a financiamentos mais baratos, pois demonstra um compromisso robusto com a sustentabilidade. É assim que o IBRAM busca impulsionar a performance coletiva do setor.”

3. Com sua vasta experiência, como você avalia o avanço das práticas ESG na mineração brasileira ao longo das últimas décadas?

Rinaldo:Vejo essa evolução em fases. Há 30 anos, o desafio era a conscientização sobre a importância de padrões ambientais e da transparência para além dos muros da empresa. Depois, veio uma fase marcada pela regulação, tanto a pública quanto a voluntária, com a adesão a padrões internacionais – não só na mineração, mas em outros setores como químico e de petróleo. O TSM é um exemplo dessa fase, muitas vezes nascido como resposta a crises, buscando a melhoria interna.

Paralelamente, temos a evolução tecnológica contínua. As empresas hoje tendem a investir nas melhores tecnologias disponíveis para suas operações e controles ambientais, pois entregar um produto com menor pegada ambiental e social é parte do negócio. Tenho observado que não há economia em soluções ambientais eficazes.

Finalmente, um motor perene é a pressão da sociedade. Se antes o foco era em poluição visual, poeira e ruído, hoje a demanda é muito mais ampla: criação de oportunidades locais, legado positivo, desenvolvimento territorial. A mineração é temporária, então é preciso maximizar os benefícios durante sua operação. A aceitação social é crucial; um projeto não avança sem o apoio da comunidade local. Isso exige transparência radical. Acabou a era de tocar projetos “escondidos”; hoje é preciso trazer a sociedade para o diálogo, discutir impactos e oportunidades abertamente. O mundo dos grandes projetos é, felizmente, muito mais transparente hoje, resultado de décadas de evolução nesse diálogo.”

4. Considerando o estudo recente do IBRAM “Gestão para a sustentabilidade na mineração: 20 anos de história”, quais avanços específicos foram obtidos e quais desafios persistem?

Rinaldo:O maior desafio persistente é, sem dúvida, o reputacional. Gerações de brasileiros foram educadas com uma visão negativa da exploração de recursos naturais, desde os tempos coloniais até imagens mais recentes e impactantes como as do garimpo de Serra Pelada por Sebastião Salgado, que associaram indevidamente toda a mineração a práticas ilegais e predatórias. Some-se a isso os acidentes recentes, e temos um grande gap de confiança a ser superado. Precisamos mostrar que a mineração industrial moderna é altamente tecnológica, com taxas de sucesso baixíssimas na prospecção (1 para 1000), onde o risco é majoritariamente privado.

Por outro lado, a maior oportunidade é a transição energética. Simplesmente não há energia limpa e renovável sem minerais – lítio, cobre, níquel, etc., são essenciais para painéis solares, turbinas eólicas, baterias. O mundo precisa repactuar sua relação com a mineração se quiser descarbonizar. Nossa expectativa para a COP 30 em Belém é que a ONU reconheça formalmente esse papel crucial do setor mineral.

Nesse caminho, temos avanços concretos e outros debates importantes. Um exemplo de avanço é o desenvolvimento do Vale do Lítio (Vale do Jequitinhonha, MG). Uma região historicamente marcada pela pobreza e seca, que viu novas oportunidades surgirem após a reclassificação do lítio (antes considerado mineral nuclear), um trabalho que o IBRAM apoiou. Isso gera demanda por mão de obra local qualificada, infraestrutura e deixa um legado positivo. Outro debate relevante é sobre a energia nuclear, apontada pela ONU como fonte de baixo carbono, que depende de urânio e tório, minerais que o Brasil possui. Precisamos discutir esses temas abertamente com a sociedade.

A mineração causa impactos, é inegável – ruído, poeira, alterações na paisagem. Mas também desenvolve regiões, gera conhecimento e tecnologia. Veja o exemplo da Suécia: foi um gigante da mineração há 100 anos. Hoje, mesmo com menos minério, é líder mundial em tecnologia e equipamentos para o setor, um legado de conhecimento. Acredito que Minas Gerais e o Brasil podem trilhar um caminho semelhante, transformando a riqueza mineral em desenvolvimento sustentável e duradouro.”


Conclusão

A conversa com Rinaldo Mancin evidencia a complexa jornada da mineração brasileira rumo à resiliência climática e à sustentabilidade. O setor enfrenta desafios reputacionais históricos, mas também se posiciona como peça-chave na transição energética global. Iniciativas como a Carta Compromisso e a adoção do padrão TSM, impulsionadas pelo IBRAM, demonstram um esforço setorial por maior transparência, melhor desempenho socioambiental e segurança operacional aprimorada. O diálogo contínuo com a sociedade, o investimento em tecnologia e a busca por deixar um legado positivo nos territórios são fundamentais para que a mineração possa conciliar suas operações com as demandas urgentes de um planeta em transformação climática.

Agradecemos ao Rinaldo e ao IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração por dividirem conosco suas experiências e iniciativas de fortalecimento do setor minerário no Brasil.


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