Nesta série especial, apresentaremos entrevistas exclusivas e conteúdos estratégicos com líderes e especialistas renomados dos principais setores da infraestrutura brasileira. O objetivo é discutir profundamente ações concretas e inovações que vêm sendo implementadas para mitigar os impactos crescentes das mudanças climáticas, enfatizando resultados já obtidos e desafios futuros. Começaremos com o setor rodoviário, um pilar fundamental para a mobilidade, a logística e a competitividade econômica do país.
A resiliência climática consolidou-se como uma prioridade absoluta nas agendas estratégicas das grandes concessionárias e operadores de infraestrutura do Brasil. Eventos climáticos extremos têm se intensificado, exigindo uma postura proativa e investimentos específicos para garantir segurança operacional e financeira. Compreender as estratégias de alto nível que estão sendo adotadas para enfrentar esses desafios é essencial para uma gestão eficaz, sustentável e alinhada às expectativas de mercado e sociedade.
Impactos Climáticos na Infraestrutura Brasileira
A infraestrutura brasileira está exposta a impactos substanciais decorrentes de mudanças climáticas, manifestados por meio de eventos extremos cada vez mais frequentes e severos. No setor rodoviário, esses fenômenos, como chuvas intensas, deslizamentos, inundações e períodos prolongados de estiagem, têm comprometido seriamente a integridade e eficiência das vias. Exemplos concretos recentes incluem bloqueios e interrupções em importantes corredores logísticos nas regiões Sul e Sudeste do país, resultando em perdas econômicas significativas, prejuízos às cadeias produtivas e redução da confiança operacional nas rodovias.
Apresentação da Entidade e do Entrevistado
A ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), fundada em 1996, é uma entidade privada sem fins lucrativos que representa o setor de concessões rodoviárias no Brasil. Atualmente, abrange aproximadamente 28 mil quilômetros de rodovias concedidas, com 57 empresas associadas. A ABCR atua intensamente em defesa dos interesses das concessionárias, promovendo a melhoria contínua na qualidade, segurança, sustentabilidade e inovação tecnológica das rodovias brasileiras. Entre os principais avanços conquistados pelas concessionárias associadas estão uma redução significativa de 56% nas fatalidades nas rodovias sob gestão privada e melhorias contínuas em qualidade operacional e tecnológica.
Representando a ABCR, convidamos Marco Antônio Giusti, Diretor Executivo desde julho de 2022. Marco é Engenheiro eletrônico formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), graduado também em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e com MBA pela Universidade de Michigan – Ann Arbor. Como executivo, tem cerca de 30 anos de experiência nas áreas de engenharia e consultoria em operações, vivência internacional e estratégica, tendo atuado profissionalmente em diversos países das Américas. Atuou como Diretor de Engenharia na Arteris S.A. por 4 anos e anteriormente, foi executivo da Pöyry Tecnologia, consultor estratégico na McKinsey & Co e engenheiro de projetos na General Motors do Brasil e Rhodia S.A.
Entrevista com Marco Antônio Giusti
Nesta entrevista, destacamos como a ABCR e suas associadas têm desenvolvido ações e projetos estratégicos focados em resiliência climática, redução de emissões e promoção da transição energética. Também abordamos as complexidades regulatórias e operacionais enfrentadas pelas concessionárias e as soluções colaborativas em curso para enfrentá-las.
- Como o Comitê de Sustentabilidade da ABCR tem implementado práticas para aumentar a resiliência das rodovias às mudanças climáticas?
Marco: “O Comitê de Sustentabilidade da ABCR tem por objetivo promover iniciativas que tornem a gestão das concessões de rodovias mais sustentável. O aumento da resiliência climática das rodovias concedidas é um dos seus eixos de atuação, em relação ao qual podemos citar como principais ações:
- Identificação e disseminação de melhores práticas, em particular na prevenção e mitigação de danos relacionados a eventos extremos.
- Coordenação da atuação conjunta de diferentes concessões para resposta mais rápida a eventos extremos.
- Desenvolvimento de estudo para identificação e priorização de trechos mais vulneráveis de toda a malha concedida e indicação de alternativas de soluções estruturais para adaptação da infraestrutura existente.”
2. Quais as principais iniciativas das concessionárias associadas à ABCR para reduzir emissões e promover a transição energética?
Marco: “As concessionárias associadas à ABCR encontram-se em diferentes estágios de maturidade em relação a programas para redução de emissões de gases de efeito estufa e promoção da transição energética no setor rodoviário. Todavia podemos identificar algumas iniciativas em curso em diversos programas, a saber:
- Modernização da frota própria, com gradual transição para uso de veículos híbridos ou elétricos, em especial para veículos leves.
- Projetos piloto de adaptação da frota de veículos pesados, seja pela uso de veículos elétricos ou pela adoção de biocombustíveis .
- Projetos de redução de consumo de energia elétrica nas operações, por exemplo pela adoção de soluções de iluminação mais eficientes nas rodovias.
- Projetos de geração de energia de fontes renováveis (por exemplo painéis solares) para consumo em suas operações complementados pela compra de energia de fontes renováveis.
- Utilização de soluções de engenharia/ insumos mais sustentáveis nas obras e intervenções de manutenção (por exemplo recuperação de pavimento com aproveitamento de material fresado e emprego de asfalto borracha).”
3. Como os indicadores do Atlas de Sustentabilidade das Concessões de Rodovias podem impactar a gestão sustentável nos próximos anos?
Marco: “O Atlas de Sustentabilidade das Concessões de Rodovias do Brasil introduziu no setor o Índice ABCR Sempre.
Este índice traduz o grau de maturidade das concessões de rodovias em três dimensões: Ambiental, Social e de Governança.
Na dimensão ambiental podemos destacar a realização de inventários regulares de emissões com metas de redução para os escopos 1 e 2 e o diagnóstico de riscos climáticos com planos de adaptação específicos para os trechos sob gestão das concessionárias.
Do ponto de vista social vale ressaltar existência de Sistema de Gestão em Saúde e Segurança do trabalho em linha com ISO 45.001, de planos de ação de desapropriação/reassentamento e recuperação dos meios de subsistência de comunidades afetadas e de pesquisas regulares de satisfação com as operações das concessionárias junto às comunidades afetadas.
Por fim na dimensão de governança os principais processos se referem à existência de Programa de Compliance com canal de denúncias formalmente estabelecido e acessível, sistema de gestão de riscos em linha com ISO 31000 contemplando expressamente riscos para a integridade e a existência de Comitê de Ética ou órgão similar com autonomia para propor e supervisionar a implementação de iniciativas de integridade.”
4. Quais são os principais desafios regulatórios e operacionais identificados pela ABCR para aumentar a sustentabilidade e resiliência das rodovias?
Marco: Observamos ao longo dos últimos dois anos significativa evolução regulatória em relação ao tema de sustentabilidade no setor de transportes.
Em relação ao Ministério de Transportes é importante ressaltar a publicação da Portaria 622/2024 que estabelece regras para alocação de parte das receitas dos contratos para promover sustentabilidade na infraestrutura de transportes.
No âmbito da ANTT pode-se mencionar a Instrução Normativa 18/2023 que disciplina o procedimento das revisões ordinárias e extraordinárias no âmbito dos contratos de exploração de infraestrutura rodoviária sob a gestão da Agência.
Tais iniciativas permitem, por exemplo, a incorporação em contratos de concessão vigentes de novos investimentos voltados à adaptação de trechos mais vulneráveis na malha rodoviária concedida com adoção das medidas necessárias para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.
Os principais desafios para materialização destes investimentos em prazo adequado referem-se à adequação das normas de projeto à nova realidade das ameaças climáticas, a celeridade na avaliação e aprovação dos projetos e obtenção das licenças necessárias,
a orçamentação adequada das obras, com emprego de referências de preço que reflitam o custo real de mercado e o acesso a financiamento em condições favoráveis para implantação de obras voltadas para aumento da sustentabilidade e resiliência da infraestrutura.
A ABCR tem atuado em conjunto com atores como Ministério dos Transportes, o DNIT, a ANTT e o BNDES para endereçar tais desafios.”
Conclusão: A entrevista com Marco Antônio Giusti evidencia a importância estratégica da resiliência climática no setor rodoviário brasileiro. Com forte atuação da ABCR, essa agenda reconhece o papel de liderança do Ministério dos Transportes e ANTT na promoção da sustentabilidade na infraestrutura rodoviária do país.
Agradecemos a Marcos Antônio Giusti e à ABCR por compartilharem suas visões estratégicas, contribuindo para o fortalecimento do setor rodoviário no Brasil.