Por Gabriel Kingma
No meu último artigo sobre o mercado de concessões rodoviárias, mencionei que o ano de 2023 registrou o recorde histórico de investimentos das concessionárias do país, chegando a R$12 bilhões, um incremento de 21% em relação a 2022, superando a antiga máxima histórica atingida em 2013, período em que o país apresentava um crescimento econômico acelerado. A perspectiva é que o ano de 2024 supere novamente o recorde de 2023, a partir dos dados preliminares já divulgados.
Ainda que o ano de 2024 marque um novo recorde de investimentos do setor, este mesmo ano também ficará marcado como um dos anos mais desafiadores do nosso setor, a partir das chuvas extraordinárias ocorridas no Rio Grande do Sul, que colapsaram grande parte da infraestrutura rodoviária da região, causando um transtorno enorme para a comunidade, economia local, concessionárias, agências reguladoras e que com certeza também trarão impactos na atratividade dos novos projetos de concessões do país.
No contexto deste tema, fui convidado a participar de um painel de debates na Bienal das Rodovias, evento organizado pela Melhores Rodovias do Brasil – ABCR . O tema abordado no painel que participei foi “Respostas aos desafios climáticos sobre a infraestrutura rodoviária brasileira”. Junto comigo, estiveram os colegas Natália Resende Andrade Ávila, Secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Governo do Estado de São Paulo , Gabriela Kessler , Gerente de Administração de Contrato e Ouvidoria na Concessionária Rota de Santa Maria, do Grupo SACYR, Melina Amoni, Gerente de Riscos Climáticos e Adaptação da WayCarbon e Pedro Capeluppi , Secretário de Estado da Reconstrução Gaúcha do Governo do Estado do Rio Grande do Sul .
Neste painel, fui convidado a trazer a visão das construtoras frente a necessidade de aumentarmos a resiliência de nossa infraestrutura através de soluções que possam ser adotadas pelas concessionárias de rodovias para reduzir o impacto de eventos climáticos extraordinários.
Minha participação neste debate sinaliza para mim, assim como expus no painel que participei no Summit de Rodovias, mais um movimento que o setor de construção vem percebendo nos últimos anos, em que as construtoras estão sendo cada vez mais vistas como um dos elos fundamentais para materialização dos projetos rodoviários, inclusive já sendo acionadas como parceiras estratégicas das concessionárias ainda na fase de elaboração do Capex, no nascedouro dos projetos, previamente aos leilões.
Esta aproximação faz com que as construtoras tragam toda a experiência de anos de atuação e de inúmeros desafios construtivos superados para dentro da modelagem da concessão. Com isso, as construtoras têm a oportunidade de garantir a assertividade e a exequibilidade do Capex previsto na modelagem, bem como propor soluções inovadoras e alternativas aos projetos já pré-concebidos, de forma a aumentar a competitividade das concessionárias nos leilões.
Esta antecipação na relação de parceria marca uma diferenciação ao que o mercado estava acostumado a praticar, quando as construtoras eram acionadas somente após a concessionária realizar a elaboração do Capex, finalizar a modelagem econômico-financeira, participar do leilão, conquistar a concessão do ativo, desenvolver os primeiros projetos e então lançar no mercado os processos licitatórios referentes as obras previstas no PER (Programa de Exploração da Rodovia).
É importante ressaltar que, em muitos casos, quando as construtoras são acionadas somente após a conclusão deste ciclo, o setor de suprimentos descobre que o Capex estimado anteriormente, com base em custos unitários referenciais na fase pré-leilão, são insuficientes para a materialização dos projetos.
E por que eu trago novamente esta questão dentro do debate do papel das construtoras frente aos desafios que os impactos climáticos trazem a infraestrutura rodoviária?
Recentemente, a título de exemplo, fomos acionados pelo setor de suprimentos de uma importante concessionária rodoviária para orçar a implantação de algumas OAEs super desafiadoras, com quase 300m de extensão, vão central próximo a 100m, pilares com mais de 40m de altura e que precisarão transpor rios com histórico conhecido de cheias extremas e que já colapsaram parte da infraestrutura rodoviária da região.
Buscando entender qual foi o orçamento estimado para a implantação dessas obras, acessamos os estudos que serviram de base para o cálculo do Capex da concessão. Na memória de cálculo, verificamos que o custo previsto para implantação de todas as novas OAEs da rodovia foi elaborado com base numa estimativa de custo por “metro quadrado” de implantação de OAE, calculado em cerca de R$5.000/m².
Para nós construtores, que temos bastante experiência na implantação deste tipo de estrutura, é sabido que este “custo por m²” mal cobre a implantação de uma OAE simples, quanto mais OAEs nessas dimensões e em um local em que precisam ser ainda mais resilientes frente aos impactos climáticos que já são conhecidos e recorrentes nesta região e que, a depender do projeto, poderá ser até 5-6x maior.
De forma a entender o racional por trás deste “custo por m²”, analisamos a fundo o detalhamento. A origem do cálculo parte de um dimensionamento preliminar da estrutura de uma “OAE típica”, um viaduto hipotético de dimensões reduzidas (30m de comprimento, 10m de largura e 6m de altura), com uma estrutura muito mais simples do que as dessas OAEs que serão implantadas nestas rodovias. A partir do levantamento dos quantitativos de serviços para estas dimensões da OAE típica, aplicou-se custos unitários referenciais de catálogo, e que também em grande parte mal cobrem o custo dos materiais necessários, e calculou-se o custo por m² desta estrutura.
A conclusão que chegamos é que, a concessionária precisará vencer dois grandes desafios: (i) a implantação de OAEs que sejam resilientes aos eventos extremos que são recorrentes na região e (ii) a busca por caminhos para cobrir um custo de implantação muito maior do que o previsto na modelagem.
Para todos que acompanharam o evento, ficou latente que as condições extremas dos impactos climáticos estão cada vez mais frequentes. Por isso, é imprescindível fomentar um grande movimento unindo todos os elos da cadeia do mercado de concessões rodoviárias (projetistas, concessionárias, consultores, agências reguladoras, construtoras etc.) para que consigamos iniciar a atualização de todas as normas, critérios de projeto, metodologias executivas, regulações vigentes etc. para incorporarmos os novos fatores climáticos, que ainda carecem de estudos, nos novos projetos.
Estes estudos deverão levantar questões como cálculo do tempo de recorrência de chuvas, altura dos tabuleiros e sistemas estruturais de OAEs, dimensionamento dos sistemas de drenagem, fator de segurança de terraplenos etc. A partir de todas estas mudanças e atualizações, será fundamental que a gente consiga captar os custos necessários para implantação destes novos projetos na modelagem do Capex.
Recentemente vimos uma ótima iniciativa do Ministério dos Transportes, através da publicação de uma portaria que estabelece diretrizes para alocação de recursos em contratos de concessão rodoviária federais visando ao desenvolvimento de infraestrutura resiliente, em que prevê que os novos projetos de concessão rodoviária deverão manter a previsão de alocação de, no mínimo, 1% (um por cento) da receita bruta da concessão com o objetivo de reduzir os impactos na infraestrutura rodoviária decorrentes das mudanças do clima.
A partir desta portaria, temos mais um motivo para unirmos todos os elos da cadeia desde o nascedouro das concessões, para que consigamos construir juntos os melhores projetos e soluções que visem ao aumento da resiliência da infraestrutura e que estes tenham a confiabilidade necessária (incluindo os custos) para que sejam realmente implantados.
Dentro deste mesmo painel que participei, fui provocado a contribuir com cases reais de projetos de sucesso em que a SEEL Engenharia participou e que visou o aumento da resiliência da infraestrutura rodoviária. Procurei trazer alguns cases mais antigos, de forma a mostrar projetos em que a resiliência da infraestrutura implantada já foi duramente testada. Sendo assim, mencionei nossas obras de estabilização de encostas que realizamos na Serra do Espigão (BR-116), no estado de Santa Catarina, para a concessionária Arteris S.A., no ano de 2018.
Antes das obras, este trecho da rodovia convivia com o tráfego interrompido por dezenas de dias por ano, já que a frequência de deslizamento de material na pista era enorme. Desde o término da execução destas intervenções, praticamente não tivemos mais interrupções na rodovia, o que demonstra que realmente conseguimos garantir a resiliência da infraestrutura rodoviária local.
Ressalta-se que todas essas obras foram realizadas em caráter preditivo e não estavam previstas no PER e, por isso, a concessionária não tinha a previsão destes custos na modelagem do Capex e ainda busca uma solução de consenso junto aos órgãos reguladores para reaver parte do investimento. Dado estes fatos, verificamos que temos uma grande possibilidade de aumentarmos a resiliência de nossa infraestrutura a partir da incorporação de projetos como este no Capex das concessões, de forma que estes estejam previstos desde o nascedouro dos projetos, para que consigamos multiplicá-los em larga escala.